
Resumo:
Este artigo analisa o paradoxo entre a riqueza natural de Angola e a persistência alarmante da fome e da pobreza extrema. A partir de dados económicos, sociais e históricos, discute-se em que medida os ideais de independência e justiça social foram concretizados ou desvirtuados, propondo caminhos para um futuro mais digno e inclusivo.
1. Introdução
Angola é internacionalmente reconhecida pela sua abundância de recursos naturais: petróleo, diamantes, minerais estratégicos, terras férteis e uma extensa costa atlântica. No entanto, esta riqueza contrasta brutalmente com a realidade quotidiana de milhões de cidadãos que enfrentam fome, desnutrição e pobreza extrema. É cada vez mais comum observar pessoas a revirar contentores de lixo à procura de restos de comida, tanto em zonas urbanas como periurbanas, enquanto crianças abandonadas imploram por alimentos nas ruas. O abismo entre o potencial económico e a realidade social exige uma reflexão profunda sobre a forma como os recursos são geridos e distribuídos, colocando em causa o compromisso com os princípios da dignidade humana e justiça social.
2. A Riqueza Nacional vs. Realidade Social
De acordo com dados do Banco Mundial, Angola possui uma das maiores reservas de petróleo de África, contribuindo com mais de 90% das exportações nacionais. No entanto, os benefícios dessa riqueza não chegam de forma equitativa à população, perpetuando desigualdades e limitando o progresso social.
3. O Legado dos Heróis e os Desvios do Presente
Os combatentes da liberdade sonharam com uma Angola soberana, justa, educada, saudável e próspera. Esse sonho, infelizmente, tem sido traído por práticas políticas que favorecem interesses pessoais em detrimento do bem comum, comprometendo o legado da luta pela independência.
4. As Consequências da Fome Estrutural
A fome não é apenas um indicador de pobreza, é uma violação grave do direito à vida e à dignidade humana. Em Angola, milhares de crianças morrem anualmente por causas evitáveis, directamente relacionadas com a subnutrição crónica e a carência alimentar severa. A fome compromete o desenvolvimento cognitivo das crianças, afecta o rendimento escolar, reduz a produtividade laboral e perpetua o ciclo intergeracional da pobreza.
Os efeitos da fome estrutural estendem-se por toda a sociedade e geram impactos profundos:
– Abandono escolar precoce, especialmente em raparigas, forçadas a trabalhar ou casar para aliviar o peso económico nas famílias;
– Aumento das taxas de gravidez precoce, associadas a contextos de vulnerabilidade e falta de acesso à educação e saúde sexual e reprodutiva;
– Crescimento da violência doméstica, delinquência juvenil e recrutamento de jovens para práticas ilícitas, devido ao desespero económico;
– Comprometimento da saúde pública, com maiores índices de doenças infecciosas, má nutrição e falta de resistência imunológica;
– Migrações internas forçadas, com impacto nas estruturas familiares e comunitárias, especialmente nas províncias do sul como Cunene e Namibe;
– Desnutrição severa em crianças menores de cinco anos, afectando mais de 80% delas, segundo o Relatório Global da Fome (2023).
Apesar de Angola ter arrecadado cerca de 39 mil milhões de dólares com exportações de petróleo em 2022 (Ministério das Finanças), mais de 10 milhões de cidadãos permanecem em situação de pobreza multidimensional. Apenas 6% do Orçamento Geral do Estado foi destinado à saúde e educação combinadas — abaixo do recomendado pelas Nações Unidas. Além disso, mesmo possuindo mais de 35 milhões de hectares de terra arável, menos de 10% estão efectivamente cultivados, revelando o baixo investimento no sector agrícola e a negligência da soberania alimentar. Romper com este ciclo de fome requer acção política corajosa, investimento estratégico e compromisso ético com os direitos fundamentais da população.
5. Medidas Estruturais para Combater a Fome e a Pobreza
Acção Prioritária | Impacto Esperado |
Construção e manutenção de estradas rurais | Facilita o acesso a mercados, escolas e serviços de saúde; aumenta a produtividade agrícola |
Criação de estruturas logísticas comunitárias | Reduz desperdício alimentar, fomenta a cooperação local e gera empregos |
Integração em corredores e projectos regionais | Melhora a conectividade nacional e internacional; impulsiona o desenvolvimento económico |
Valorização da agricultura familiar e cooperativas | Aumenta a segurança alimentar e a produção sustentável; fixa populações no campo |
Educação comunitária e participação cidadã | Fortalece a governança local e a consciência dos direitos sociais |
Estas medidas devem ser acompanhadas de apoios directos à renda, descentralização orçamental efectiva e investimento contínuo no sector agrícola. A integração dessas acções num plano nacional de combate à fome e à pobreza poderá romper com ciclos de exclusão e construir uma base sólida para o desenvolvimento humano sustentável.
6. Considerações Finais
Angola não é um país pobre. Mas milhões de angolanos vivem como se fossem. Este é o maior escândalo e a maior responsabilidade da nossa geração. A fome que devasta lares e silencia esperanças não é fruto do acaso, mas da omissão, da indiferença e da má gestão política. Não é aceitável que famílias revirem contentores em busca de comida, que idosos mendiguem nas ruas ou que mães desesperadas deem de comer folhas e água aos filhos. Enquanto isso, uma elite usufrui de privilégios e luxo sustentados por prioridades distantes da realidade do povo. O tempo de discursos terminou.
É hora de agir com responsabilidade, coragem e visão estratégica. Honrar os que lutaram pela independência exige redistribuir a riqueza, promover justiça social e garantir dignidade a todos os cidadãos. É essencial implementar políticas públicas orientadas para a equidade, investir na agricultura familiar, fortalecer os sistemas de protecção social, e garantir que nenhum angolano vá dormir com fome. Que Angola seja rica, sim — mas rica em igualdade, oportunidades, ética e humanidade. A maior riqueza de Angola não está apenas no subsolo ou nas suas exportações, mas na diversidade, coragem e criatividade do seu povo. E é com esse povo que deve ser construída uma nação próspera, justa e sustentável.
Referências Bibliográficas:
– Banco Mundial (2023). Relatório Económico de Angola.
– UNICEF Angola (2023). Dados de Nutrição Infantil.
– PNUD (2022). Índice de Desenvolvimento Humano – Angola.
– Constituição da República de Angola (2010).
– TIAC (2021). Relatório de Transparência e Corrupção em África.