
Catadores de lixo, no aterro sanitário dos Mulenvos, recolhendo resíduos, sem o mínimo de preucações de saúde.
Angola é frequentemente descrita como um país rico. Com vastas reservas de petróleo, diamantes, minerais diversos, terras férteis e uma localização estratégica, o potencial económico do país é indiscutível. No entanto, esta riqueza não se traduz em bem-estar para a maioria da população. O que se constata é uma realidade contraditória: um país de abundância natural mergulhado em pobreza generalizada. Esta contradição revela um fenómeno profundamente enraizado no tecido sociopolítico angolano — o progratismo, isto é, a cultura de proclamar o progresso e desenvolvimento, enquanto a prática governativa e económica mantém a maioria da população na miséria.
A Ilusão do Progresso
O termo “progratismo” refere-se a um discurso político marcado por promessas constantes de progresso, modernização e crescimento económico, muitas vezes desacompanhado de resultados palpáveis para o cidadão comum. Desde o fim da guerra civil em 2002, Angola conheceu anos de crescimento económico assente na exploração petrolífera. Foram anunciados megaprojectos, construídas infraestruturas e criadas expectativas de um novo ciclo de prosperidade.
Contudo, este “progresso” raramente alcançou os bairros periféricos, as aldeias rurais, os hospitais públicos ou o sistema de ensino. A retórica do desenvolvimento serviu muitas vezes como instrumento de legitimação do poder, enquanto a realidade da maioria continua a ser marcada por desemprego, fome, falta de serviços básicos e um sistema de saúde precário.
A Riqueza Concentrada
O que está em causa não é a ausência de recursos, mas sim a forma como estes são geridos e distribuídos. Angola tem sido governada por elites políticas e económicas que beneficiam directa ou indirectamente da exploração dos recursos naturais. A corrupção sistémica, o clientelismo e a impunidade têm permitido que a riqueza nacional seja canalizada para círculos restritos, em vez de financiar políticas públicas de qualidade, reformas estruturais e a promoção do bem-estar colectivo.
Estudos e relatórios internacionais apontam para fluxos financeiros ilícitos, enriquecimento de governantes e gestores públicos, e má gestão dos fundos do Estado. A transparência continua a ser limitada, e o acesso à informação sobre a utilização dos recursos públicos é frequentemente negado à sociedade civil.
O Povo na Miséria
O resultado desta má governação é visível nos indicadores sociais: mais de 50% da população angolana vive com menos de dois dólares por dia. O desemprego jovem é alarmante. A mortalidade infantil continua elevada. O sistema educativo enfrenta desafios profundos de qualidade e cobertura. A fome e a desnutrição são problemas reais, especialmente nas zonas rurais.
Enquanto isso, cresce o abismo entre os que vivem nos condomínios de luxo da capital e os que sobrevivem em musseques sem água potável nem energia eléctrica. O acesso a cuidados de saúde de qualidade tornou-se um privilégio de poucos, enquanto os hospitais públicos enfrentam escassez crónica de medicamentos e profissionais.
A Urgência da Mudança
A situação de Angola é, acima de tudo, uma crise de liderança e de modelo de desenvolvimento. Não basta proclamar o progresso em discursos oficiais ou exibir números macroeconómicos positivos. É necessário um compromisso real com a justiça social, com a distribuição equitativa da riqueza, com a promoção da cidadania activa e com o combate sem tréguas à corrupção.
A juventude angolana, cada vez mais consciente e conectada, começa a questionar o status quo. A sociedade civil, embora limitada por diversos obstáculos, tem mostrado sinais de mobilização. Há uma oportunidade histórica para transformar este país rico num país verdadeiramente justo, onde a riqueza natural se converta em desenvolvimento humano.